terça-feira, 30 de junho de 2009

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Você passou por mim e eu quis te matar, dar um escândalo, mastigar flores, me bater no nariz, te morder no pescoço. Mas você não reparou. Você nunca repara em nada.
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Coisas que vem com a chuva.

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Lembrei da cidade de madrugada e como parecia tanto São Paulo, aquele frio, as horas arrastando e eu ali batendo meus dentes e cheia de uns poemas na cabeça que se perderam por que eu não podia escrever ali, não na frente daquelas pessoas e daqueles olhos. Por deus. Jurei que era passado. E tudo isso eu reparei quando liguei pra ele, ele que cantava pra mim. Ele cantava pra mim e furava minha alma com aqueles olhos dele, que olhos mais perigosos, assim como eram perigosas as mãos e a língua entre as coxas. Eu disse pra ele, que problema enorme, que problema enorme que a gente foi arranjar. Até hoje eu não sei se ele entendeu que eu gostava dele. Eu gostava dele. Eu gostava daquele cabelo grisalho e macio entre os dedos e da língua dele na minha boca. Ele tinha um cheiro doce. E eu continuei sem ter o que falar pra ele, não sei nem por que eu liguei, eu simplesmente acordei e liguei. E ele demorou pra atender. Quando ele demorava pra atender antes, eu desligava. Hoje eu esperei. Aí ele disse alô com aquela voz dele. Aquela voz dele. E ele disse que estava com saudades e feliz por eu ter ligado, que tinha passado uma semana. Eu pensei nele durante essa semana, mas eu tive problemas. Eu quase morri essa semana. Não contei pra ele. Disse que era culpa do telefone, que eu estou sem. Ele disse pra ligar de novo. Vou ligar. Estou com saudade. Daqueles olhos cinzas que ele tem. E daquele olhar duro.
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Se alguém me ver bebendo perto dele, por favor, tirem o copo da minha mão. E se já for tarde e eu já tiver bebido tudo e estiver lá tentando pegar nele, peguem o copo vazio e quebrem na minha cabeça. Agradeço.
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Bill Joke

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Permito agora que ele me venha fazer companhia, quando sozinha me encontro e ele está num canto ali do verso. Não machuca mais. Não sei se é boa lembrança ou ruim. É apenas uma lembrança que ás vezes vem e parece nítido por que não poderia ter um fim melhor. Os finais são sempre os finais.
E eu sempre deixarei esses homens me estenderem o copo sem entender que é apenas um copo. Eu pensei que ia morrer com um buraco, mesmo que ficasse tentando tacar areia, mas areia é apenas areia. As coisas são apenas o que são. Tudo é muito simples, ele não me amava e achava que sim. Ele achava que sabia o que era amor e não sabia. Eu pensei que ele sabia também. Cheguei a escutar uns eu te amos e mergulhar na comoção. Cheguei a dar vexames, escândalos e a escrever umas coisas. Nada melhor pra literatura do que aquilo que não aconteceu. Tudo era um poderia ser. Tudo era tão abstrato. Imagens na cabeça nada tem a ver com amor. Devo ter fumado mil cigarros pra sua memória. Punha-me a pensar em você e engolia uma bebida qualquer, ao som de qualquer musica.
Tudo era um jogo fácil de se passar por cima. Cantar na chuva e virar as costas e dizer umas coisas e desaparecer. Até quando você me perfuraria com as suas agulhas se eu não dissesse nada? Até quando ia ser de verdade se eu não questionasse?
Eu hoje reapareço. Já não me sinto presa às tuas linhas e já não me sinto culpada por nada. Eu fiz o melhor que pude. O que não valeu nada em vista do que eu ganhei de volta, quando eu nem queria ganhar nada de volta. Só aquela coisa que você achou que sabia sentir. Que eu achei que podia entender.

Você não sabia era do lado negro. Achou que eu não tinha rugas só por que você não as via? Achou que eu não tinha um monte de pesadelos só por que eu não acordava? Achou que eu era viciada em bebida? Que ia morrer de tanto tomar droga? Aqui estou eu, Bill Edwars, velha e bêbada, olhando pra você e você não está me olhando de volta. Aqui estou eu, meus cabelos brancos, olheiras, doenças e rugas. Aqui estou eu, meus manuscritos que não viraram biografia, minhas tintas no chão e meus batons vermelhos. Ali está meu espelho quebrado e ele me olha de volta exatamente como eu olho pra ele, entendendo todos os meus atos e me acompanhando o melhor que pode. Minhas linhas eram apenas tuas, nunca foram divididas com mais ninguém. E era perfeito esse homem que bebia comigo e tocava piano, tocava jazz e blues e rock, o mesmo que hoje que sobrou nas linhas e nem assim, nem mesmo assim Bill Edwards, o senhor soube guardar para mim algo que seria só meu e de mais ninguém.
Eu sou esta mulher acabada e enrolada numa coberta tentando não morder a língua no frio, escutando os chocalhos do próprio rabo e tirando o pó dos livros. Eu sou esse vaso quebrado e colado com cola pritt, essa porcaria remendada que não enfeita mais nada.
Para Bill Edwards tudo continua fácil. Sua Kate entrou num labirinto onde todas as saídas dão em nunca mais.