sábado, 20 de novembro de 2010

O tempo muda muito com a gente

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Nem pensei em um dia me querer assim. Te querer eu sempre quis. Lembra quando a gente dormia um pra cada lado? Se encostasse o pé em você de madrugada sem querer logo puxava com medo do que tu ia pensar. Puxava o pé com raiva de ter medo do que tu ia pensar. E a gente pensava várias coisas. Tu pensava, assim como eu, que ia dar merda aquele pé ali. Que o pé ia virar uma mão e logo mais um colo, e logo a gente ia ficar meio engrungrunhado e no dia seguinte ia ter que dar explicação ou continuar alguma coisa que a gente não tava pronto pra continuar. E era assim. Eu te vendo dormir e perdendo o sono, eu querendo te ver dormir todo dia. Com meu pé recolhido. Eu acho que você lembra como era uma merda. Por que no dia seguinte eu tinha meus problemas, você tinha seu ideal de solidão. Eu era sozinha com um monte de gente, só com você eu não era. Ficava preocupada, tensa, mal sabia o que falar. Aí a gente tomava um porre e se amava pra caralho, falava de tudo, de como era frustrante. Eu arrumando o cabelo, tentando ser o menos óbvia possível. E tu me disse que naquele dia daquele porre homérico no aniversario do Marquinhos o tapa que eu te dei todo desajeitado, mais pra exprimir raiva do que pra machucar, naquele tapa que eu sofri por ter te dado e pedi desculpa até não poder mais, foi ali que tu disse que percebeu o que a gente tava fazendo. Eu lembro de estar morrendo de medo na hora de ir embora por que éramos nós dois e mais um monte de gente e eu sem saber se você ainda era meu melhor amigo. Aí cada um foi ficando num lugar, em casa, nos táxis, nos metrôs, e a gente continuou seguindo. Nós dois. E sabendo que tu ia perguntar. E tu perguntou. E quando perguntou, me deu o braço rindo perguntando o que foi aquilo de eu ter me enfiado no meio duma roda de cinquenta pessoas e te dando um tapa na cara todo torto. Você riu. Foi ali que eu pensei caralho, nunca vou deixar de gostar desse cara. Você fazia parte de mim, da minha vida. E aí você começou a fazer planos. Nada daqueles planos solitários que você tinha. Você me incluiu nas viagens, nas casas, em todos os lugares. Nem perguntou se eu queria. Falava "aí a gente vai pra lá, depois a gente vai pra cá e depois a gente volta, e se bobear a gente NEM VOLTA", e ficava falando eu ficava escutando quieta de tão bom que era escutar.
Depois de tanta volta, tanta coisa, tanta gente, eu percebo que o que eu quero não está na mesa do bar (apesar de gostar muito da mesa do bar), não está na madrugada da Augusta interminável, não está nas multidões. Ainda gosto de tudo isso, assim como sei que você gosta. Mas no meio das coisas a gente se entreolha e percebe que é hora de voltar pra casa. E como é bom voltar pra casa. As vezes a gente conversa e pergunta se é a velhice dando as caras. Se é o primeiro fio de cabelo branco mostrando todo seu significado que a gente achava que ia ignorar pra sempre. Que eu nunca ia parar de fumar maconha e que nunca ia precisar dormir direito. Na verdade a gente nunca soube do que precisava. Mas agora sabe. E tem sido bom assim. Tem sido bom os nossos problemas, as compras de supermercado, a volta pra casa. Tem sido boas as nossas divisões, o que você é, o que eu sou, o que a gente virou. Acho que nunca gostei de mais ninguém.
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sexta-feira, 5 de novembro de 2010

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Não quero voltar. Mas voltarei. Acabaram-se as férias. Além de outras coisas óbvias, o mundo precisa ter um tempinho pra descansar. Não ter que fazer nada um mês. E que escrevam e dancem e cantem e sejam interrompidos pra ganharem um beijinho que nem o que ganhei agora. Acho que descansei. E se não descansei o suficiente, pelo menos aprendi uma coisa que uma vez quase não acreditei por que caí no papo furado dos infelizes que diziam "não existe em lugar nenhum". Existe e é fácil e bom demais. Acordar e dormir e ser interrompida.
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