sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Um pequeno tremor que virou abismo e eu caí bem no meio.

Ainda que seja cedo, existe um cansaço. Ele entra pelas janelas junto com o ar abafado de 32 graus em plenas dez da noite de São Paulo. O calor bate nas paredes e rebate em mim e ficamos assim. Eu e o ar não nos suportamos. Todo o dia foi assim. Coloquei chinelos e desisti. Quase morri no calor dentro do quarto sem cortina. Então saí cedo e terminei com o namorado que não era mais namorado. Ele tenta me beijar, eu viro o rosto. Hoje não, respondo. Por que? Peço um suco de laranja pra ganhar tempo e conto porque. Cerveja no calor me deixa imprestável. Contei tudo. Ele disse que eu estava apaixonada por outra pessoa. Aí olhou meus pés e estranhou eu vestir chinelos mas não falou nada. Eu não queria contar pra ele que não existia luta a ser ganha. Pensei onde será que ele – o outro – ta agora, como é que eu vou passar esse tempo todo pensando nisso. Voltei a chorar enquanto eu escrevo, eu disse pro amigo um dia. Escrever sobre mim mesma é a dor mais desnecessária pela qual eu me obrigo a passar. No fim ele me abraçou e eu disse não some por que você é legal. Ele deu uns tapinhas nas minhas costas por não saber mais que gesto fazer diante do nosso castelo desmanchado. Fui embora arrastando meus chinelos pressionando forte com os dedos pra eles não saírem voando. Troquei de roupa de novo ao chegar em casa, lavei de novo o cabelo mas dessa vez não entrei no chuveiro, taquei a cabeça na torneira da pia da área de serviço. Lembrei dos banhos de mangueira na casa da tia malvada que hoje está morrendo sozinha. Minha casa é sempre o melhor lugar pra estar. Peguei a mãe de carro e levei pra Augusta comer pizza portuguesa e tomar cerveja, contei pra ela que agora eu sou mais uma solteira na cidade. Expliquei pra ela do Espaço Unibanco, da mostra de cinema anunciada no cartaz do conjunto nacional, do cosmopolitan que vendiam a preço de banana no bar ali na frente e do Arnaldo que vai autografar os dvds e eu quero ver. Tocou Zé Ramalho no carro na volta. O Zé tem dessas de aparecer nos rádios, violões dos outros, vitrolas de bar, sempre quando eu estou querendo me matar. Ao voltar, anoto no post-it: comprar um ventilador e uma luminária. Mato uma borboletinha com inseticida por que ela entrou no meu quarto. Sinto uma falta que mata. De alguma coisa, alguém, uma janela, um vento gelado. Estaca zero. E a voz dele sempre comigo, dizendo desfaz o bico, Karinamovich, desfaz o bico.
Escrevo nesse computador sem internet, sem tela plana, sem botão de rolagem no mouse. Escrevo sobre mim por que não consigo escrever mais de ninguém. Escrevo no escuro pro olho doer e eu não amanhecer o dia digitando. Minha cadeira não gira. Escrever aqui dá dor de cabeça, culpa, insônia e dor nas costas. Então não reclamem nem encham minha caixa de emails de reclamações de todo tipo – por que eu não blogo mais, por que eu escrevo asneira, por que eu tenho que escrever com prazos, por que você gosta de ler blog mas eu nunca atualizo ou por que você se incomoda com a minha vida. Parem, parem, parem. Teve um tempo que eu escrevia pra ele. Ele foi lá e escreveu um blog cheio de capítulos que eu li bem pouco pelo mesmo motivo que escrevo tão pouco aqui. Li pouco por que odiei. Recuso os convites dos amigos que querem que eu participe de todo tipo de mesa redonda, sobre os blogs, os livros, os livros virtuais, a internet, o twitter (que eu nem tenho), o my space (que eu nem tenho também), o caralho a quatro. Recuso por que já deu. O que eu escrevo e gosto eu não publico aqui. O que eu escrevi e gostei eu dei pra ele ler e me ajudar a ver o que é que a gente faz. Se não der em nada já serviu por ele ter lido umas coisas em voz alta (do jeito totalmente errado) que eu escrevi pra eu mesma escutar e por eu ter tomado da mão dele e gritado, dá aqui que eu vou mostrar como é que faz e ter lido pior ainda. Já valeu por ele ter entendido o negócio dos gatos e o negocio das baratas. Mas esse blog é meu e aqui eu escrevo o que eu quiser ou não escrevo nada se eu não quiser também. Quero me preocupar mais em sair vivendo que contando, como tem sido desde a morte do Meias Três Quartos, que contava menos que o Como Marretar Batráquios, que contava menos que o Donna Kuka, nos primórdios da minha inclusão ao mundo cibernético.
O que quero dizer com tudo isso é que eu escrevo porque eu gosto. Você que lê deve ter seus motivos que eu prefiro não saber quais são. Tudo vai continuar assim até eu descolar um novo layout e uma linha reta na vida. Não gostou vai ver televisão. Por aqui eu continuo.
Eu estava usando os brincos que ele me deu de presente. Não era um dia bom: no anterior eu já havia dito coisas demais e tudo que pude entender no final daquilo foi que nós nunca nos entenderíamos.  Sim, meu amigo. Karma é foda mesmo: se você que não acredita nisso então você não sabe nada.

As coisas se vão com a chuva


Assim podemos voltar a vida de sempre. Os cinzeiros ainda estão cheios, as garrafas ainda estão quebradas na calçada, a goteira ainda encharca o chão de madeira.
Eu achei que sofreria mais quando você se fosse. Mas não chegou nem a ser dor, era só uma coisa que estava presente.
É a primeira vez que escrevo depois de muitos meses. Eu sabia que ia ser pra você. Sabia que seria numa noite insone e com chuva. Parei de escrever por que fiquei vendo filmes demais, inclusive aquele sobre cinema que você disse. Na verdade, não era sobre cinema, e você sabia, não sabia? Era sobre o isolamento sufocando as pessoas.
Por isso eu voltei pra escrever pra você.
A vida é vazia, né, Mário?
Eu acho que é esse o ponto de referência.
Eu tentei explicar e você não entendeu nada, nem a gravidade, nem a sinceridade, nem a frustração, não entendeu nada.
Você não conseguia dormir também, lembra? Eu acho que ninguém entende essa coisa da gente só virar pro lado e dormir. Até eu demorei pra entender.
Mas não há nada para ser feito, apenas desistir. Descobri que a gente só desiste das pessoas quando elas desistem delas mesmas. Eu é que ficava pensando em como o mundo estava se virando sem a gente andando nele.
Você viu? O mundo se virou muito bem.
A vida sempre segue.
De uma forma ou de outra, eu me lembro de você.
Você se lembra de mim?
Me fala logo, Mário. Do que é que você lembra?
Preciso parar com isso. Escritores malditos filando meu cigarro, teatrinhos com cerveja e cama abandonada 72 horas seguidas por insistência da proprietária que acha que é de ferro mas está começando a ficar velha. Viajei numas de levar ela comigo mas ela me traiu e fez merda o tempo inteiro: saí para não mata-la. Então ela se levantou chorando e chorando ela foi embora. Dormi na cama dele de novo, mas no canto, e por duas noites seguidas eu juro que não abri os olhos nem uma vez sequer pra ver ele dormindo ou ajeitar o cobertor. E eu olhava a boca e olhava tão pertinho e pensava puta merda, olha os botões da camisa dele aqui na minha mão e ele olhando pra minha mão nos botões dele e depois pra mim, e pra minha mão já no botão de baixo e de novo pra mim e disse umas coisas que eu escutava e pensava não cai não cai não cai, pelo amor de deus não cai na conversa dele, por que tava na cara que era mentira e nada é perfeito e ainda tinha outra coisa: o quanto eu podia ser má e fria e jogadora (sim, vocês já leram isso) mas dessa vez diferente:
Eu não quero mais nada disso. Preciso parar com a bebida.

Algumas vezes ele retomou o caminho e se deparou com as luzes apagadas. Ela estava lá dentro com seus olhos perdidos e querendo olhar pela janela. Decifrar qual daqueles carros. Ela escreve para ele.
Ela escreveu Amor vira Carvão e decidiu que chega: No amor é necessário alguém para afundar junto.
Mudou de cigarro. Tomou porres mais sujos. Aposentou os saltos.
Não é possível voltar. Fez outras coisas, trabalhou em dobro.
Apaixonou-se de novo, tentou. O amor só acabava com ela.
Fugiu tanto que acabou cansada e tendo que pensar nele. Ele dentro dos carros debaixo dos postes de luz apagados. Pernas que ele nunca poderia gostar como gostava das pernas dela.
Palavras não adiantavam.
Era preciso o olho no olho.
Testa na testa.
É preciso ser forte.
Desobedecer os signos.
Então ela pulou.
Estava sem dormir.
Mulher apaixonada que não dorme é uma merda.

Monalisa

Olha lá, a Monalisa de novo. Detesto esse olhar debochado dela e odeio aquela parede. A Michele acha que ela compactua. Eu só acho que ela debocha. Ela, a Monalisa, viu aquele dia que eu estraguei com a noite do Márcio. Ela viu quando eu me rastejei até a cozinha pra comer um pouquinho de sal. Ela viu que eu não lembrei como era aquela música da Imelda pra poder explicar pro Flavio que ele tava tocando errado. Ela olhou pro homem que eu amo brochar, ela julga os amigos que eu tenho. E quando a vêem, ela até descola uns elogios, essa maldita. Aí olha pra mim de novo e dá o mais malvado dos sorrisos. Você se pergunta então por que você não tira essa desaforada e taca dentro do armário ou estilhaça ela na parede até virar um monte de madeira? Por que a Monalisa tem dona. A Michele colocou ela lá por que ela gosta muito dela. Eu disse vamos colocar uns quadrinhos coloridos, mas não. A Monalisa ia ficar onde? Eu não desisti, falei então por que a gente não coloca ela no corredor, no corredor fica melhor, mas não, de novo. A Monalisa tinha gostado da parede da sala e resolveu que iria ficar lá pra sempre. Olhando pra mim. Olhando pra mim e pra tudo que eu faço. Metendo o bedelho nas minhas coisas.
Ela não sabe que eu estou escrevendo sobre ela agora. Ela ta tentando espiar a tela do meu computador, mas ela não consegue. A Monalisa está séria. Se ela pudesse descruzar os braços ela me mataria com um porrete. Mas ela não pode. Ela não pode fazer nada.