segunda-feira, 21 de outubro de 2013

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Subimos a pé pelo Minhocão de madrugada

e ficamos andando pela pista vazia

pelo simples prazer de andar

na companhia uns dos outros.

Quantas vezes eu fiquei bêbada na tua janela

olhando pra lá

quantas vezes a gente falou nessas horas

um dia a gente tem que dar uma voltinha ali

de madrugada

só pra ficar jogado.

Fui.

E você não tava.

Que pena.

Se você estivesse lá, provavelmente

estaria quieto, só abrindo a boca pra reclamar

do frio e perguntando

onde vocês estão indo? Pra que?

que idéia de merda

eu quero voltar pra casa.

Estou com saudades.
Descobri que gosto mais da vista de cima
E do lado de dentro.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

E nada continua nada como antes

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 Eu não gosto de gente louca. Eu não tenho tempo. Eu gosto de falar abertamente e por longas horas com quem eu amo, que basicamente é ele que está aqui e ótimos amigos, quais , graças a deus (no minúsculo), eu tenho vários. Não ficar em silêncio. O silêncio são os segundos que meus olhos cruzam os deles e todo mundo já entendeu tudo. Não precisa durar. A gente só não e desenvolve com quem não tem nada a acrescentar. E é triste não ter nada a acrescentar. Você acaba criando um papagaio e bebendo água tônica sozinho na janela. Eu não to nem aí pra isso. Eu estou inconformada. Aliás, eu estava ficando inconformada, mas agora não mais. Agora eu fiquei com um pouco de ansia. Chega. O que está acontecendo com esses velhos que desistiram de ser felizes e tocar com a vida?Agora chega. Este blog acabou. Aos que vinham de boa fé, agradeço. Nos encontramos em outros botecos.
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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Vê se esquece

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Ai, meu Deus. Eu não mereço. Fiquei aqui escrevendo texto velho de quando não acontecia nada e olha no que deu. Gente, isso é texto velho. Quando eu ainda só olhava pra ele de longe mesmo com ele estando do lado. Que coisa. Aí tenho que vir aqui e explicar que está tudo bem. Que eu comprei um ventilador pra gente e mês que vem teremos panelas novas. Que ele agora cutucou minha perna na cama (por que agora escrevo no lap top dele) e disse uma coisa bonita, depois sorriu e fechou os olhos. E não precisamos andar juntos o tempo ou fazer sempre as mesmas coisas pra que dê certo. Somos duas pessoas diferentes e que estão tentando construir uma vida juntos. Sem atrapalhar ninguém. E eu não vou largar as ruguinhas de preocupação da testa dele nem fudendo. Assim como sei que no fim de todos os dias, ele vai sorrir esse sorriso e dormir com a mão sobre a minha perna. Que amar ele não dói nem um pouco por que amor não pode doer. Se doer é por que já está tudo errado, desde o começo, e tem alguém profundamente enganado.
E é assim que ficamos. Seguindo avante, sempre, na mesma calçada.
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sábado, 25 de dezembro de 2010

Mas você foi embora

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Fiquei largada com as pernas nuas dentro daquele ônibus lerdo. Pensando se eu estivesse mais um tequinho que fosse bêbada, uma gota a mais, eu teria saltado e te obrigado a me carregar pra cima. Por que eu fiquei com aqueles teus olhos que estavam me olhando daquele jeito que eu morro - junto com aquele sorriso que acompanha, aquele sorriso, meu deus, e eu indo pontos e pontos pra frente pensando que agora já era. Cheguei em casa e tentei continuar a vida, li uns livros (como eu pude ficar tanto tempo deixando eles pra trás pra só escutar música?) - às vezes os livros fodem a nossa cabeça, determinados livros, e você precisa de um tempo pra respirar, eles viram cargas muito pesadas por justamente te jogarem na cara que você não está vivendo, ou está vivendo mal, e isso na maioria das vezes é a mais pura verdade. Tomei meu banho e passei meu hidratante e tomei cinquenta litros de água gelada antes de deitar na cama que estava uma verdadeira chapa de sanduíche de tão quente, aquele edredom rosa tentando fazer com que eu me afundasse, mas tava calor, tava muito calor, eu não aguentei nem com aquele ventilador ventilando aquele vento quente na minha cara, me sufocando e me dando dor de cabeça e desespero, eu só queria dormir em paz e não deu pra não levantar e e não pensar morta quase chorando de raiva do calor que deixa os paulistas acordados de madrugada quando estão mortos e com a ressaca começando a pegar, que bosta, que bosta de cama é essa, mil vezes a caminha dele que ficou lá do outro lado da cidade cheia de espaço vazio e janela enorme bem em cima, com um puta cara deitado nela sem nem saber que é um puta cara e que tem alguém derretendo num ponto do planeta chorando de sono e mesmo assim querendo ele. Essa casa está cada vez pior de morar, falta janela, falta espaço pros meus quadros, falta parede, falta ar condicionado, falta tv a cabo, falta porta que fecha direito, falta internet pra eu desabafar aqui no blog, falta estante pros meus livros que não cabem mais na estante velha, fico aqui com esses parentes andando pra cima e pra baixo fazendo barulho. Falta seu peso do lado me acordando de madrugada com um braço ou uma perna ou um braço e uma perna por puro instinto de ficar abraçado, falta teu narizinho respirando no meu pescoço e fazendo meu cabelo ficar subindo, descendo, subindo, descendo, falta tuas costas brancas cheia das minhas unhas compridas, falta teu corpo branco inteiro, teu pescoço branco, teus braços brancos todos pintadinhos em colorido, tuas pernas brancas e pezinhos brancos e a tua cueca preta e tua mão dentro da minha blusa pra eu dormir, como que pra ter certeza que eu não sou nunca mais de ninguém, que fudeu, agora eu sou tua pra sempre. Queira você ou não, agora fodeu, fim.
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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

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Por um longo tempo eu fiquei andando com você. Cozinhava, acordava cedo, dividia os baseados, baixava o volume da tv. Todo tempo gasto valia os segundos. Tantas e tantas vezes que fiquei deitada te olhando se vestir, escolher a camisa, passar a roupa pra trabalhar. Quando ficava sozinha, ficava fuçando dentro dos teus armários, decorando as marcas dos shampoos, trocava as lâminas do barbeador. Olhava as roupas no varal, as fotos pregadas com fita crepe na parede da sala. Levei meus livros, deixei na estante, você me emprestava uns filmes que dizia que era bom eu ver. Caindo a noite a gente bebia muito, fazíamos seleções de músicas trashs e ríamos um do outro. Um dia você me disse eu te amo. Me abraçou sorrindo e me levou de volta pra mesa do bar por que eu tinha bebido muito pra poder andar sozinha. Naquele dia eu fui embora com um outro cara e te deixei chupando o dedo na cadeira. Foi burrice, tentei explicar, mas não tinha mais explicação. Eu acho que eu queria dizer que era melhor você ficar longe de mim. Eu te amo, mas fica longe de mim. Eu só disse o eu te amo, o resto não tive coragem. Me deixa te ter assim como um amigo íntimo. Assim eu não posso te julgar, você não pode me julgar, a gente só se protege e se conforta e se aconselha. Só. Eu só te olho dormir, você só me acorda de manhã com um sorriso de bom dia. Vai, abre a janela. Deixa o sol entrar pra redimir os pecados de antes. Eu nem lembro. Você lembra? Faz tempo. Finge que não foi com a gente. De repente a gente se enganou. Acontece tanto. No fim das contas eu fingia o tempo todo que não te amava e você fingia o tempo todo acreditar. Simples assim.
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domingo, 19 de dezembro de 2010

Promessas, joelhos e pontos de ônibus

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Se você quiser saber sobre noites mal dormidas, flores jogadas no lixo, cabeças doendo, marcas de dentes nos punhos, você pode colocar um trago no copo e a gente amanhece no colchão. Senão, basta ligar a vitrola ali no canto da parede, as vezes falar é pior que o silêncio. A gente bem que pode debruçar na janela, eu te aponto no céu onde foi que eu descobri aquelas coisas que eu já tinha te falado, quando era o momento certo de falar. Ou a gente senta em baixo daquela árvore e espera olhando pro relógio. Não, a gente espera sem olhar pro relógio. O dia já clareou, o que mais pode ser importante? Clareou e a gente ainda tá sentado na calçada apoiando o peso um no outro falando coisinhas de hora certa. Eu vejo você e estou orgulhosa de dividir a calçada. E estou orgulhosa por essa lágrima que rolou pelo seu rosto agora. Estou orgulhosa de sentir culpa por ela. Por que é a hora certa. Você sabe, a gente perdeu tempo nos horóscopos, nos auges de alguns porres, a gente foi se perdendo. Eu te olhei me perdendo e você me viu perdendo você. Ninguém falou um Á. Agora você está aí. Nesse canto com reflexos no rosto e eu não sei o que sobrou pra mim aqui. Um pouco de paz, eu acho. Um pouco do mesmo. Meu telefone que toca cada vez menos. Não quis te falar tchau e nem quero agora. Subi no ônibus com uma promessa e um pedido pra cumprir. Não cumpri. Eu sou só essa vira-lata que perambula pelas ruas sacudindo as pulgas. Cheirando restos e indo embora decepcionada. Aquela que você não pode levar pra casa.
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Uma música trágica para começar um dia trágico

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Não importa o quanto eu tenha dormido. Fiquei acordada até tarde pensando merda e acordei agora, pensando merda. Com a cara inchada sem saber de onde me acertaram. Pior que não ter tempo é ter tempo e não sentir vontade de fazer alguma coisa com ele. Coloco atos nos pequenos minutos, troco cobertas, tiro a poeira, escrevo porcarias e ouço musica ruim, penso em caminhar no parque. Olho pros ponteiros rodando devagar. Amanhã está há um milhão de anos de mim. Assim como ele que pegou minha mão e disse apenas para que eu não me preocupasse, com uma simplicidade que só ele tem. Pois estou aqui, preocupada. Tomando café gelado. Olhando pro relógio e pra tela, alternadamente. Desliguei o celular. Quero mesmo ficar sozinha. Não sei ficar muito tempo com os outros. E eu te digo com toda certeza do mundo que ter que ir dormir é a pior parte. Ninguém nunca te disse? Quando não há mais nada a fazer pra salvar o tempo em que você ficou estragando sua vida, bancando o idiota. Talvez não poder voltar no tempo seja a pior parte. Será que é isso que está me incomodando? Estar livre demais, solta demais, muito de mim em todo lugar, nesse café frio, nessa tela cheia de letras um pouco contidas, nesse rádio que não fecha a tampa do cd direito? Na vitrola desligada da tomada? Na coberta desarrumada, no tênis rasgado no canto da parede? Ou eu estou aí contigo? Longe, jogada, pesada, sem saber se fui vista ou recusada, sem saber quando estou programada pra voltar?
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Não adianta quantas guerras a gente lute, quantas vezes a gente se destrua, se resgate da sujeira, se xingue, diga todas a verdades que doem e se arrependa e se ame, e trepe e peça desculpas. Nada disso é relevante ou decisivo ou mesmo o suficiente pra que a vida faça a merda da sua parte e o que é certo afinal, que é acabar com essa loucura que virou a minha vida desde que eu tropecei em você, ou você tropeçou em mim. Eu estava parada, com todas as coisas que eu tinha, pelas quais eu lutei e morri, e tive que passar por todas essas coisas desde então que só terminaram de me matar e nunca se cansam, como aquele dia horrível cinematográfico que eu fiquei naquela porra de pista, bem lá no meio, no meio da pista e no meio de toda aquela gente dançando grudada escutando Mr. Brightside e tentava te ver mas só chorava parada e morrendo de medo e dó de mim mesma, por que eu não entendia nada e ninguém no mundo inteiro podia me explicar nada, o que eu estava fazendo ali e o que você estava fazendo lá e por que eu não te achava e por que você não estava me procurando? Por que eu lembro de todas as vezes que sai gritando, chorando, passando vergonha, a fim de te matar, sem querer olhar nos olhos dos outros e a vez que segurei e deixei pra chorar no ônibus, e deixei pra morrer em parcelas escondida pra ninguém me achar fraca. E agora, doze meses depois, você virou pra mim e disse que não tinha nada a fazer, nunca, nunca nada a fazer, e se arrependeu e eu te deixei se arrepender vendo seus olhos vermelhos de raiva e cansaço e tristeza e amargura e você chorou, e eu deixei você chorar no meu braço, e você sem sabe como é duro e como meu coração se quebra, você sem saber como é olhar pra alguém e sentir que tem o mundo nas mãos mas na verdade não nada, nada, nada, você sem saber que o amor pode ser uma perda eterna, algo difícil de encarar, ou de assumir, ou de conversar, ou tocar fora, esquecer, passar por cima, escrever num papel, transferir pra um gesto, você sem saber porra nenhuma. Você sem saber me procurar no inferno. Eu sem saber deixar pistas.
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domingo, 12 de dezembro de 2010

É tudo muito triste no blogger

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Por que estou tentando dar um simples ctrl+c - ctrl+v e não consigo. Não, eu não escrevo direto no blogger. Eu escrevo originalmente no word e colo. Mas agora de um dia pro outro o blogger não permite. Achei uns dez textinhos daquele tempo. Queria tanto. Mas tem que copiar tudo de novo aqui. E eu vou tentar, mas não pode ser tudo de uma vez como eu queria. Vai ficar esquisito. Eu não era casada mas estava querendo ser. Dele, obviamente, por que querer casar sem motivo aparente nunca tinha rolado comigo. Curtia solidãozinha. Agora curto ler coisinhas que eu escrevia sobre ele e ver o quanto mudou. Mas agora que o blogger não deixa, vou ter que usar esse tempo pra reclamar, que é o que eu faço melhor.
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sábado, 20 de novembro de 2010

O tempo muda muito com a gente

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Nem pensei em um dia me querer assim. Te querer eu sempre quis. Lembra quando a gente dormia um pra cada lado? Se encostasse o pé em você de madrugada sem querer logo puxava com medo do que tu ia pensar. Puxava o pé com raiva de ter medo do que tu ia pensar. E a gente pensava várias coisas. Tu pensava, assim como eu, que ia dar merda aquele pé ali. Que o pé ia virar uma mão e logo mais um colo, e logo a gente ia ficar meio engrungrunhado e no dia seguinte ia ter que dar explicação ou continuar alguma coisa que a gente não tava pronto pra continuar. E era assim. Eu te vendo dormir e perdendo o sono, eu querendo te ver dormir todo dia. Com meu pé recolhido. Eu acho que você lembra como era uma merda. Por que no dia seguinte eu tinha meus problemas, você tinha seu ideal de solidão. Eu era sozinha com um monte de gente, só com você eu não era. Ficava preocupada, tensa, mal sabia o que falar. Aí a gente tomava um porre e se amava pra caralho, falava de tudo, de como era frustrante. Eu arrumando o cabelo, tentando ser o menos óbvia possível. E tu me disse que naquele dia daquele porre homérico no aniversario do Marquinhos o tapa que eu te dei todo desajeitado, mais pra exprimir raiva do que pra machucar, naquele tapa que eu sofri por ter te dado e pedi desculpa até não poder mais, foi ali que tu disse que percebeu o que a gente tava fazendo. Eu lembro de estar morrendo de medo na hora de ir embora por que éramos nós dois e mais um monte de gente e eu sem saber se você ainda era meu melhor amigo. Aí cada um foi ficando num lugar, em casa, nos táxis, nos metrôs, e a gente continuou seguindo. Nós dois. E sabendo que tu ia perguntar. E tu perguntou. E quando perguntou, me deu o braço rindo perguntando o que foi aquilo de eu ter me enfiado no meio duma roda de cinquenta pessoas e te dando um tapa na cara todo torto. Você riu. Foi ali que eu pensei caralho, nunca vou deixar de gostar desse cara. Você fazia parte de mim, da minha vida. E aí você começou a fazer planos. Nada daqueles planos solitários que você tinha. Você me incluiu nas viagens, nas casas, em todos os lugares. Nem perguntou se eu queria. Falava "aí a gente vai pra lá, depois a gente vai pra cá e depois a gente volta, e se bobear a gente NEM VOLTA", e ficava falando eu ficava escutando quieta de tão bom que era escutar.
Depois de tanta volta, tanta coisa, tanta gente, eu percebo que o que eu quero não está na mesa do bar (apesar de gostar muito da mesa do bar), não está na madrugada da Augusta interminável, não está nas multidões. Ainda gosto de tudo isso, assim como sei que você gosta. Mas no meio das coisas a gente se entreolha e percebe que é hora de voltar pra casa. E como é bom voltar pra casa. As vezes a gente conversa e pergunta se é a velhice dando as caras. Se é o primeiro fio de cabelo branco mostrando todo seu significado que a gente achava que ia ignorar pra sempre. Que eu nunca ia parar de fumar maconha e que nunca ia precisar dormir direito. Na verdade a gente nunca soube do que precisava. Mas agora sabe. E tem sido bom assim. Tem sido bom os nossos problemas, as compras de supermercado, a volta pra casa. Tem sido boas as nossas divisões, o que você é, o que eu sou, o que a gente virou. Acho que nunca gostei de mais ninguém.
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sexta-feira, 5 de novembro de 2010

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Não quero voltar. Mas voltarei. Acabaram-se as férias. Além de outras coisas óbvias, o mundo precisa ter um tempinho pra descansar. Não ter que fazer nada um mês. E que escrevam e dancem e cantem e sejam interrompidos pra ganharem um beijinho que nem o que ganhei agora. Acho que descansei. E se não descansei o suficiente, pelo menos aprendi uma coisa que uma vez quase não acreditei por que caí no papo furado dos infelizes que diziam "não existe em lugar nenhum". Existe e é fácil e bom demais. Acordar e dormir e ser interrompida.
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domingo, 10 de outubro de 2010

Receita para se viver bem após os 50 (caso não lhe tenha sobrado dignidade) - em resposta ao texto do pianista Aureo Galli (Naquele blog de merda).

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Quando você se olha no espelho e vê que está velho, coçando a barba, e tem uma mulher quase morta na cama, e tem que sair e trabalhar, se possível em um trabalho que não termine de te matar para que você possa continuar pagando as coisas convencionais: colégio das crianças, roupas da patroa e as despesas de motel onde se come sanduíche de pastrame a qualquer hora do dia ou da noite, e ainda há balinhas de hortelã grátis, você sempre tem uma luz no fim do túnel. É uma maravilha. O tipo de vida fácil de comprar. Por 1,99.
Sua vida não vale é um tapa na cara.
De qualquer forma, você pode arrumar um novo ofício, por que vai que você acha que sua vida é tão bacana que pode virar livro. Taí. Escreva. Escreve-se para tudo no mundo. Pra contar novidade, pra contar coisa velha, fazer arte, fazer homenagem, não ficar louco, ficar louco, cutucar os outros. A escrita é um direito de todos. Alguns demoram pra aprender c's, ç's, s's, 2 s's, z, ceagá e xis. Mas aprendem fácil e já podem sair por aí fazendo merda.
É fácil.
Primeiro, pegue um nome qualquer. Por exemplo, Ana Maria. Se achou muito normal, intercionalize a coisa pra soar inteligente. Anne Mary. UUUhhhh. Sentiu a diferença?
O segundo passo, é pegar um dicionário. Mas não se prenda muito nele pra não se confundir e cometer gafes. Aprenda pelo menos a palavra blasé. Se não achar no dicionário, procure no google. Ou pergunte pro seu jardineiro.
Depois pegue um carinha qualquer. Bem qualquer mesmo. Coloque-o fumando um cigarro já de cara e dê a ele cara de mau. Cara de mau encanta qualquer Ana Maria.
Escolha no que vai se basear. Se na vida real, se vai fazer ficção, se vai se inspirar no padeiro da esquina ou numas ex-namoradas entediadas, na sua mãe. Foda-se. Mas cuidado se escolher ficção. Não vá confundir realidade com ficção. Afinal você não quer que sua mulher leia e ache estranho, assim como não quer receber em casa uma caixa de papelão cheia de fotos, bilhetes já escritos, e mails, cartões, dvds, que alguma mulher já enganada por você sinta vontade de mandar depois de também ler suas porcarias falando mal dela. Às vezes você tem que considerar que já foi porco o suficiente, isso sem esquecer do quanto já pingou suor na cara da coitada até ela mentir que gozou pra você sair logo de cima dela. Cuidado ao expôr sua vida. Se a sua vida for de mentira, claro.
Agora você já tem dois personagens. Coloque-os em algum lugar. Nos anos 80, 50, 20, miloitocentosebolinha, no Egito, numa aldeia, na Mata Atlântica, na estrela onde mora o Pequeno Príncipe rodeado de baobás. Achou um bacana? Chegou a hora da ação. Eles tem que fazer alguma coisa, e se você encher de fodelança desde o começo, já ganhou a parada. Mas se você se decidiu por fazer um draminha, vai ter que ter diálogo. Muita churumela, mudanças de países, citação de trilha sonora (mas cuidado com as épocas - o Beck, por exemplo, e caso você não saiba, além de nome de droga também é um cantor contemporâneo, e ainda não tinha nascido em 1000 e blablablá. - Essa é uma dica muito importante). Também conjugue bem o verbo. Encha de "deixaste-ei" que sempre cola.
Cuidado com o que seus heróis dizem. Seu personagem inteligente pode virar um idiota e você não quer isso. Ele tem que salvar a mocinha no final, achar o amor, criar um papagaio.
A mocinha, claro, não precisa ser muito inteligente. Mas aí capriche na descrição, coloque pernas grossas, cachos dourados, cuzinho apertado.
Mas atenção: Você não está escrevendo um monólogo, cuidado pra não dar mais valor ao seu herói do que ele merece. A esse passo, pode ser que nem você o aguente mais, e então terá que matá-lo. E Shakespeare já fez isso antes. James Cameron também, qualquer um em cinema, livro ou teatro já fez isso antes de você. Ah, seja humilde, não se compare a grandes nomes.
Se bem, que se você fizer isso, quero dizer, matar seu herói, me poupa de ter que falar o resto. Então faça. Jogue todo mundo da ponte, pra ficar heróico. Você quer ser lembrado.
Depois, corra pro abraço e seja feliz. Se você não souber nada sobre felicidade (e for do tipo, que por isso mesmo, fica achando que ninguém mais é) está perdoado. Tem gente que procura a vida inteira e não encontra. Acontece bastante.
Aí você pode ficar na boa pagando a vida artificial pra sempre. Dizendo a todos que está cuidando das crianças. E quando você morrer, talvez alguém vá ao seu caixão pra dar um cuspe.
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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Pingue pongue - parte dois - mais uma resposta ao incansável pianista Aureo Galli.

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Não tem coisa mais dor de cotovelo do que alguém que vira pra você e te diz que você vive no seu mundinho.
Nunca enchi o saco de ninguém. Sempre fui assim.
Sempre voltei tarde pra casa ou não volto. Beijo meus amigos na boca.
Pago minhas contas. Não peço nada a ninguém. Trabalho de domingo a domingo pra poder comprar meus livros e meus cigarros. Fumo por que gosto. Bebo por que gosto. Bebo quando preciso também.
Gosto de passar noites olhando pela janela e fumando meus cigarros acesos um no outro.
Sou chegada num queijo com goiabada, coloco canela no leite.
Tomo cerveja quente se não tiver cerveja gelada.
Gosto de dez minutos de sexo puro e simples de manhã antes de sair da cama.
Apanhei num show do Planet Hemp. Ouvia Ventania e tocava no violão quando tinha 15 anos.
Roubei uma pirâmide de cristal no shopping quando tinha 16 anos e minha mãe descobriu e me fez voltar pra devolver.
Adoro musicais. Odeio livros policiais. Baixo na porta dos meus amigos com kits pra ficar acordado.
Gosto de bandas ao vivo. Odeio que desmarquem comigo. Amo teatro. Odeio comédia. Não gosto de circo. Quero que se fodam os que ficam rotulando. Odeio ex-namorados com dor de cotovelo. Odeio ex-namoradas com dor de cotovelo. Escrevo cartas.
Gosto de urgência.
Não sei dirigir nem andar de bicicleta. Não sei boiar nem nadar. Sei andar de patins.
Adoro dançar contanto que a música esteja alta.
Odeio homem andando pelado dentro da minha casa.
Não sou fiel se estiver desconfiada.
Já fui muito desconfiada.
Gosto de tapar os ouvidos debaixo do chuveiro. Cubro a orelha com o edredom para dormir desde pequena. Tenho alergia a insetos. Não uso desodorante com álcool. Não consigo dormir bem sem roupa.
Tudo isso pode não ser importante, mas é verdade.
Não gosto de pensar que eu seja importante, ser importante pesa.
E tudo isso que você leu aí não é novidade pra ele. E continua não sendo importante. Mas foi assim que ele me conheceu. Ele sabe o que gosto de fazer, onde gosto de ir, onde escondo meus diários. Ele sabe que eu gosto de beber e bebe comigo.
Nós continuamos não sendo importantes. Não somos blases, e esse é o nosso "mundinho". E se depois de tudo você acha que é relevante vomitar um monte de textos estúpidos sobre mim, achando que é capaz de ensinar alguma coisa a mim ou a uma pulga, saiba que não há nada que eu possa aprender com você, que não seja o que eu não quero e o que é vergonha alheia.
E aquela personagem é uma idiota. Uma personagem sem nada que tudo que ela faz é ficar te ajudando a se convencer que tu é foda.
E tu não é foda porra nenhuma.
Tá falado.
Fim.
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domingo, 19 de setembro de 2010

Pingue pongue parte I - Tentei mas não consegui -

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Fiquei tentando mudar o layout pra combinar com a vida. Vida nova, trabalho novo, casinha nova, cabelos castanhíssimos e curtíssimos, tem que ter blog novo também. Claro que eu não consegui.
Ainda.
Num dia incomum de paciência mudo tudo.
Fiquei meio fula por que é, como se lendo, eu estivesse sendo forçada a fazer, dizer, beijar coisas que eu não quero. Não sou eu. Eu não sou assim. Nunca fui. Credo. Vê se pára. Coloca ela pegando um trem e indo embora pra casa do caralho. Mata ela numa ponte, um piano em cima da cabeça. Mas mata ela que ela nunca existiu. Nem aí na sua cabeça. E aprenda também a se desapegar.
Ah, dei recado. Saco. Tudo bem. Se personagens são a melhor definição não tem problema. Mas foi bem menos que isso.
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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

As coisas ficaram como deviam ter sido.

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Uma coisa que ele disse é verdade. Não consigo mais escrever por que não tem do que reclamar. choramingar sobre o leite derramado, inventar vidas perfeitas, contar desastres.
Agora o que tem é justamente o que está aqui.
Eu tentando escrever e ele com seu livro no meu lado na cama. Reli as mil coisas obscuras que já escrevi sobre ele no antigo 3/4. Estranho eu ter adivinhado como seria. Ter uma toalha pra mim no banheiro. Ter minha pasta de dente em cima da pia. Ter meu lado certo na cama, a não ser pra escrever e o laptop alcançar. Ele reclamando por que eu tiro o elástico do lençol preso no colchão. As reclamações dele, os afaguinhos dele. Tudo isso eu já sabia.
E procurando meu antigo blog no google, por que eu não lembrava mais qual era a senha dele, descobri uma farsante com o nome do meu ex-blog. Sacanagem. Mas tudo bem, se você pensar que aquele blog nem valia a pena. Continua no ar por orgulho, passei horas da minha vida escrevendo asneiras nele. E asneiras as vezes são graça na internet. Minha besteira esquecida.
Agora já não danço tanto, gosto de casinha e comidinha na cama. Gosto de escrever e reler e a visão que tenho todo dia dele se arrumando com sono. Gosto dele estirado em mim fazendo peso. Gosto de tentar explicar as coisas pra ele. Gosto de mim do lado dele.
No final de tudo eu já sabia e os mundos se cruzaram. O que eu inventava e o que eu vivo agora.
Não tem mais o que inventar. Por aqui eu sigo. Vivendo. E muito bem acompanhada. Sempre em frente e de cabeça pra baixo. Do jeito que eu gosto.
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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Por que eu sou assim

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Não sei viver eles. Preciso deles pra ficar quieta lendo um livro. Desculpem os ataques de ciúmes, as choradeiras, as vezes que bebi demais e vocês tiveram que me carregar pra casa. Todos os sacodes que vocês tiveram que me dar pra eu não cair no buraco e me quebrar. Obrigada por serem tão geniais, inteligentes, presentes e compreensivos. Obrigada pelas madrugadas, festinhas particulares, festinhas não - particulares, telefonemas de suicídio de madrugada, pizzas frias, cocas zero com vodka, tequiladas na Augusta, guarda chuvas, roupas emprestadas pra trabalhar de ressaca, cobertores no frio, obrigada por entenderem sobre tudo que eu não entendo. Também por se explicarem quando não havia nada pra ser explicado, o que eu acho mais incrível e digno de nota. Eu sou uma menina que precisa de explicações. E de vocês por perto.
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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

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Você diz baixinho "não se preocupe" e eu digo baixinho shhhhh shhhhh. Escancaro nossa janela como escancarei minha coragem de ir até o ultimo fio de limite pra ver onde vai dar essa coisa maluca de te ter assim tão perto. Você guardou todas aquelas cartas dentro daquele livro? Bobagem. Elas não te dizem nada. Acho que não consigo nunca. Só sei que quero prender teu riso e teu cheiro, dentro do meu sorriso e do meu cheiro, dentro das nossas coisas.
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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Eu lembro de algumas coisas que devem ser o suficiente

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Barulho de chuva
Latas por todo canto
uma frase simples
e lembro sobre
como é bom
fechar os olhos
e não saber
de onde vem
as pernas
os beijos
os gozos
Lembro especialmente
de um chão gelado
um cigarro apagado
um olhar
de medo
a lágrima presa.
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sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Um pequeno tremor que virou abismo e eu caí bem no meio.

Ainda que seja cedo, existe um cansaço. Ele entra pelas janelas junto com o ar abafado de 32 graus em plenas dez da noite de São Paulo. O calor bate nas paredes e rebate em mim e ficamos assim. Eu e o ar não nos suportamos. Todo o dia foi assim. Coloquei chinelos e desisti. Quase morri no calor dentro do quarto sem cortina. Então saí cedo e terminei com o namorado que não era mais namorado. Ele tenta me beijar, eu viro o rosto. Hoje não, respondo. Por que? Peço um suco de laranja pra ganhar tempo e conto porque. Cerveja no calor me deixa imprestável. Contei tudo. Ele disse que eu estava apaixonada por outra pessoa. Aí olhou meus pés e estranhou eu vestir chinelos mas não falou nada. Eu não queria contar pra ele que não existia luta a ser ganha. Pensei onde será que ele – o outro – ta agora, como é que eu vou passar esse tempo todo pensando nisso. Voltei a chorar enquanto eu escrevo, eu disse pro amigo um dia. Escrever sobre mim mesma é a dor mais desnecessária pela qual eu me obrigo a passar. No fim ele me abraçou e eu disse não some por que você é legal. Ele deu uns tapinhas nas minhas costas por não saber mais que gesto fazer diante do nosso castelo desmanchado. Fui embora arrastando meus chinelos pressionando forte com os dedos pra eles não saírem voando. Troquei de roupa de novo ao chegar em casa, lavei de novo o cabelo mas dessa vez não entrei no chuveiro, taquei a cabeça na torneira da pia da área de serviço. Lembrei dos banhos de mangueira na casa da tia malvada que hoje está morrendo sozinha. Minha casa é sempre o melhor lugar pra estar. Peguei a mãe de carro e levei pra Augusta comer pizza portuguesa e tomar cerveja, contei pra ela que agora eu sou mais uma solteira na cidade. Expliquei pra ela do Espaço Unibanco, da mostra de cinema anunciada no cartaz do conjunto nacional, do cosmopolitan que vendiam a preço de banana no bar ali na frente e do Arnaldo que vai autografar os dvds e eu quero ver. Tocou Zé Ramalho no carro na volta. O Zé tem dessas de aparecer nos rádios, violões dos outros, vitrolas de bar, sempre quando eu estou querendo me matar. Ao voltar, anoto no post-it: comprar um ventilador e uma luminária. Mato uma borboletinha com inseticida por que ela entrou no meu quarto. Sinto uma falta que mata. De alguma coisa, alguém, uma janela, um vento gelado. Estaca zero. E a voz dele sempre comigo, dizendo desfaz o bico, Karinamovich, desfaz o bico.
Escrevo nesse computador sem internet, sem tela plana, sem botão de rolagem no mouse. Escrevo sobre mim por que não consigo escrever mais de ninguém. Escrevo no escuro pro olho doer e eu não amanhecer o dia digitando. Minha cadeira não gira. Escrever aqui dá dor de cabeça, culpa, insônia e dor nas costas. Então não reclamem nem encham minha caixa de emails de reclamações de todo tipo – por que eu não blogo mais, por que eu escrevo asneira, por que eu tenho que escrever com prazos, por que você gosta de ler blog mas eu nunca atualizo ou por que você se incomoda com a minha vida. Parem, parem, parem. Teve um tempo que eu escrevia pra ele. Ele foi lá e escreveu um blog cheio de capítulos que eu li bem pouco pelo mesmo motivo que escrevo tão pouco aqui. Li pouco por que odiei. Recuso os convites dos amigos que querem que eu participe de todo tipo de mesa redonda, sobre os blogs, os livros, os livros virtuais, a internet, o twitter (que eu nem tenho), o my space (que eu nem tenho também), o caralho a quatro. Recuso por que já deu. O que eu escrevo e gosto eu não publico aqui. O que eu escrevi e gostei eu dei pra ele ler e me ajudar a ver o que é que a gente faz. Se não der em nada já serviu por ele ter lido umas coisas em voz alta (do jeito totalmente errado) que eu escrevi pra eu mesma escutar e por eu ter tomado da mão dele e gritado, dá aqui que eu vou mostrar como é que faz e ter lido pior ainda. Já valeu por ele ter entendido o negócio dos gatos e o negocio das baratas. Mas esse blog é meu e aqui eu escrevo o que eu quiser ou não escrevo nada se eu não quiser também. Quero me preocupar mais em sair vivendo que contando, como tem sido desde a morte do Meias Três Quartos, que contava menos que o Como Marretar Batráquios, que contava menos que o Donna Kuka, nos primórdios da minha inclusão ao mundo cibernético.
O que quero dizer com tudo isso é que eu escrevo porque eu gosto. Você que lê deve ter seus motivos que eu prefiro não saber quais são. Tudo vai continuar assim até eu descolar um novo layout e uma linha reta na vida. Não gostou vai ver televisão. Por aqui eu continuo.
Eu estava usando os brincos que ele me deu de presente. Não era um dia bom: no anterior eu já havia dito coisas demais e tudo que pude entender no final daquilo foi que nós nunca nos entenderíamos.  Sim, meu amigo. Karma é foda mesmo: se você que não acredita nisso então você não sabe nada.

As coisas se vão com a chuva


Assim podemos voltar a vida de sempre. Os cinzeiros ainda estão cheios, as garrafas ainda estão quebradas na calçada, a goteira ainda encharca o chão de madeira.
Eu achei que sofreria mais quando você se fosse. Mas não chegou nem a ser dor, era só uma coisa que estava presente.
É a primeira vez que escrevo depois de muitos meses. Eu sabia que ia ser pra você. Sabia que seria numa noite insone e com chuva. Parei de escrever por que fiquei vendo filmes demais, inclusive aquele sobre cinema que você disse. Na verdade, não era sobre cinema, e você sabia, não sabia? Era sobre o isolamento sufocando as pessoas.
Por isso eu voltei pra escrever pra você.
A vida é vazia, né, Mário?
Eu acho que é esse o ponto de referência.
Eu tentei explicar e você não entendeu nada, nem a gravidade, nem a sinceridade, nem a frustração, não entendeu nada.
Você não conseguia dormir também, lembra? Eu acho que ninguém entende essa coisa da gente só virar pro lado e dormir. Até eu demorei pra entender.
Mas não há nada para ser feito, apenas desistir. Descobri que a gente só desiste das pessoas quando elas desistem delas mesmas. Eu é que ficava pensando em como o mundo estava se virando sem a gente andando nele.
Você viu? O mundo se virou muito bem.
A vida sempre segue.
De uma forma ou de outra, eu me lembro de você.
Você se lembra de mim?
Me fala logo, Mário. Do que é que você lembra?
Preciso parar com isso. Escritores malditos filando meu cigarro, teatrinhos com cerveja e cama abandonada 72 horas seguidas por insistência da proprietária que acha que é de ferro mas está começando a ficar velha. Viajei numas de levar ela comigo mas ela me traiu e fez merda o tempo inteiro: saí para não mata-la. Então ela se levantou chorando e chorando ela foi embora. Dormi na cama dele de novo, mas no canto, e por duas noites seguidas eu juro que não abri os olhos nem uma vez sequer pra ver ele dormindo ou ajeitar o cobertor. E eu olhava a boca e olhava tão pertinho e pensava puta merda, olha os botões da camisa dele aqui na minha mão e ele olhando pra minha mão nos botões dele e depois pra mim, e pra minha mão já no botão de baixo e de novo pra mim e disse umas coisas que eu escutava e pensava não cai não cai não cai, pelo amor de deus não cai na conversa dele, por que tava na cara que era mentira e nada é perfeito e ainda tinha outra coisa: o quanto eu podia ser má e fria e jogadora (sim, vocês já leram isso) mas dessa vez diferente:
Eu não quero mais nada disso. Preciso parar com a bebida.

Algumas vezes ele retomou o caminho e se deparou com as luzes apagadas. Ela estava lá dentro com seus olhos perdidos e querendo olhar pela janela. Decifrar qual daqueles carros. Ela escreve para ele.
Ela escreveu Amor vira Carvão e decidiu que chega: No amor é necessário alguém para afundar junto.
Mudou de cigarro. Tomou porres mais sujos. Aposentou os saltos.
Não é possível voltar. Fez outras coisas, trabalhou em dobro.
Apaixonou-se de novo, tentou. O amor só acabava com ela.
Fugiu tanto que acabou cansada e tendo que pensar nele. Ele dentro dos carros debaixo dos postes de luz apagados. Pernas que ele nunca poderia gostar como gostava das pernas dela.
Palavras não adiantavam.
Era preciso o olho no olho.
Testa na testa.
É preciso ser forte.
Desobedecer os signos.
Então ela pulou.
Estava sem dormir.
Mulher apaixonada que não dorme é uma merda.

Monalisa

Olha lá, a Monalisa de novo. Detesto esse olhar debochado dela e odeio aquela parede. A Michele acha que ela compactua. Eu só acho que ela debocha. Ela, a Monalisa, viu aquele dia que eu estraguei com a noite do Márcio. Ela viu quando eu me rastejei até a cozinha pra comer um pouquinho de sal. Ela viu que eu não lembrei como era aquela música da Imelda pra poder explicar pro Flavio que ele tava tocando errado. Ela olhou pro homem que eu amo brochar, ela julga os amigos que eu tenho. E quando a vêem, ela até descola uns elogios, essa maldita. Aí olha pra mim de novo e dá o mais malvado dos sorrisos. Você se pergunta então por que você não tira essa desaforada e taca dentro do armário ou estilhaça ela na parede até virar um monte de madeira? Por que a Monalisa tem dona. A Michele colocou ela lá por que ela gosta muito dela. Eu disse vamos colocar uns quadrinhos coloridos, mas não. A Monalisa ia ficar onde? Eu não desisti, falei então por que a gente não coloca ela no corredor, no corredor fica melhor, mas não, de novo. A Monalisa tinha gostado da parede da sala e resolveu que iria ficar lá pra sempre. Olhando pra mim. Olhando pra mim e pra tudo que eu faço. Metendo o bedelho nas minhas coisas.
Ela não sabe que eu estou escrevendo sobre ela agora. Ela ta tentando espiar a tela do meu computador, mas ela não consegue. A Monalisa está séria. Se ela pudesse descruzar os braços ela me mataria com um porrete. Mas ela não pode. Ela não pode fazer nada.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

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Estou partida em duas
Uma te odeia
Outra não te esquece
mesmo que queira
muito muito muito
E agora o que eu faço
quando eu pego na mão essas folhas
em que você dizia
demore o tempo que for
e a culpa foi minha
e etc etc etc
Me diz
logo
o que
eu
faço?
?

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A gente não duvidava.

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Ela disse que ia sair com a gente pra conferência por que precisava sair daquela bad que tinha entrado - ou sido jogada mesmo - e não conseguia sair sem sua há muito oculta auto estima. Aí ela olhou logo pro cara que todos nós estávamos tentando fazer um contato há anos e por sinal tantos anos que todos já havíamos desistido e até pego raiva dele por que ele era o escritor maior arrogante do Brasil.
Clarinha, se comporta, aquele cara ali é o dono da A., meu emprego depende dele, o seu emprego depende dele, e o emprego do Mário depende dele, então sossega aí nessa cadeira, não pesa. E ainda por cima, parece que o cara nunca aperta a mão de ninguém.
Foi o que nosso amigo Paulo disse pra ela, quando notou as más intenções da garota.
Então ela disse “aposta quanto que eu vou lá, converso com ele por dez minutos, e ao me despedir, ele me dá um beijo?”.
“a bebida mais cara do bar como ele não lhe dará nem um minuto para começar”.
Todas nós nos olhamos e concordamos que o Paulo estava ferrado.
Clarinha levantou, e de alguma maneira se enfiou na roda do dono da A., falou durante exatos dez minutos, e ao despedir-se, foi cumprimentada com um caloroso beijo do dono arrogante da A. e voltou encarando o Paulinho jogando os quadris de um lado para o outro.
Sentou com seu ar triunfal, elegeu a bebida mais cara, e disse: “Agora vamos brindar a mim”.
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Ela disse meu nome é Sarah e eu pensei que puta nome clichê, mas ela estava balançando o rabo de cavalo pra mim e me embebedando descaradamente e falando sobre musica, trabalho, e sobre gérberas e sobre as coisas que podiam acontecer do nada, eu a ouvi o tempo todo. Quando eu brincava com ela a boca dela se desenhava em sorrisos escandalosos. De repente faze-la rir era meu oficio, e eu não entendia se ela gostava de mim ou estava bêbada ou se estava me achando um idiota. Ela me dava beliscõeszinhos doloridos com suas unhas afiadas e eu estava cheio de arranhões.
Ela ficou ali com os outros copos de uísque, ela e o rabo de cavalo, e eu segui cantando “ New or Old City Blues“ tentando sair de dentro da garganta dela.
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Eu estou cansada de saber

 
Amor é isso: é respeitar e acreditar e querer que a pessoa fique feliz contando que ela não fique feliz te colocando pra baixo. É querer que o resto se foda. Mas ele não ficava até o fim e queria que eu ficasse até o fim, e eu não sei ficar até o fim sozinha. Ele achava que podia ficar até o fim só quando ele resolvesse. E enquanto ele não se decidia resolveu me colocar pra baixo pra matar o tempo. Inventou até um carinha pra me perseguir nos e-mails. Porra, cara. Isso é difícil de aguentar.


Veja que pra ser feliz, a gente pode ficar bêbado perdido num canto e rindo com alguém que a gente gosta. O resto é só o resto. Ou você acha que já me viu na merda? Não viu não. Eu quase fiquei na merda quando você foi embora. Mas te toquei fora, queria que você sumisse, me esquecesse e se fodesse mesmo, eu pensei vai se foder, vai se foder, porra. Não foi, pois no meio do caminho tinha uma bunda, tinha uma bunda no meio do caminho.

Coitada. Sei lá de onde ela vem, a bunda de outrora e áureos tempos. Se é que me entende.

Mas vamos às vacas frias: O que eu fico doida da minha vida foi você assinar com o nome que EU te dei pra escrever textinhos de caubói metido a besta e bom comedor e se vangloriar com fodas louras e cabeludas e será que você é mesmo tão apaixonado por si mesmo assim?

Dicas da mamã:

1) Crie um nome seu.

2) Mude seu layout. Ou pelo menos disfarce. Coloque a foto num lugar diferente, a frase num lugar diferente, no blogger é bem fácil mudar o lugar das coisas. Mas de preferência, escolha um layout de sua preferência e não de minha preferência para escrever seus textos de Alabama.

3) Você não é escritor pseudo beat. Pare de escrever isso. Não força.

4) Essa coisa de seguidores é brega pra caralho. Tenha vergonha alheia. Não aceite essa góticas analfabetas só por que elas fazem número.

5) Pare de meter o pau em mim que eu sou obrigada a vir aqui e responder por que eu não fico quieta.

6) Essas fotos enormes e esses vídeos pesados acabam com a paciência das mais potentes internets pagas e speeds, e muitas fotos não tem nada a ver com o contexto – e nem com as musicas.

7) Se quiser falar de como deve estar a minha vida, leia meu blogue direitinho ou fuce no meu facebook que facebooks e blogues são pra essas coisas, mas não me subestime e nem encrenque com as suas suposições: Meus amigos continuam crescendo e firmes e incríveis (meus amigos sim, eu sei escolher muito bem). Meu trabalho não atrapalha minha vida e nem minha felicidade e nem minhas intenções por que eu estou gostando do que eu faço demais. Meus flertes vão bem obrigada, mas sei que a vida não é feita apenas disso.

8) Leia Kerouac direitinho e não se beneficie. Preste atenção que assim você não precisa comprar o livro só pra ler o trecho (para entender o que mamã quer dizer):

Não a dor que me impele a escrever isto mesmo sem eu querer, a dor que não será apagada pelo ato de escrever e sim acentuada, mas que será redimida, e se ao menos fosse uma dor digna que pudesse ser colocada em outro lugar que não essa sarjeta negra de vergonha e perda e loucura barulhenta na noite e pobre suor na minha testa”.

O coração dela batendo na chuva de São Francisco, na cerca, enfrentando fatos finais, pronta para sair correndo agora e voltar e acocorar-se de novo onde ela estava onde tudo estava – consolando-se com a visão da verdade”.

E em casa eu andava de um lado para outro, não conseguia parar, tinha que andar, como se alguém estivesse prestes a morrer, como se eu estivesse sentindo o cheiro das flores da morte no ar, e fui para o pátio de manobras da estrada de ferro em South San Francisco e chorei”.
Na dúvida - qualquer dúvida - ou vontade de me xingar ou me bater ou me chamar de louca ou se quiser saber da minha vida, venha cá. Sou boa em lidar com desaforos testa a testa. Dores passam - o tempo serve pra isso.
Além do mais, você teve sorte - lembre disso. Se quiser ser um personagem, seja um personagem seu, e não um que eu criei - você acabou com ele - ele não era assim.
No mais, é isso.
Página virada. Mas eu ainda lembro.
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terça-feira, 4 de agosto de 2009

Uma carta para Mariana

- Escreve uma coisa pra mim.
Pensei mas caralho, se eu escrever alguma coisa pra essa mina ela não vai entender nada, quem me entende já não entende o que eu escrevo, quem dirá, quem dirá... Pior é se ela entender, aí vou querer casar com ela só por que ela entendeu, aí é foda. Mas isso tudo no caso de saber o que escrever - quero dizer, ter inspiração pra escrever sobre a Mariana. Por que às vezes eu acho que a mina tem que me deixar muito maluco ou muito puto pra eu me dar ao trabalho de escrever sobre (nunca para)  ela. E eu acho que eu sinto por ela uma coisa meio mole, não é nada assim muito poético. E ela é uma mina bacana, merece que um dia alguém escreva um belo livro inteiro pra ela, mas um cara assim mais diferente de mim, eu acho. Mariana/ meu amor por ti / é uma pagina em branco. Vou te escrever um haikai. E se eu achar que ficou bom, eu te escrevo um poema, um poema inteiro, Mariana! Olha que bacana. Bacana, Mariana, bacana, bacana, cabana. Vai que ela gosta de rima. Ou vou copiar uma letra de musica de alguém assim que ela nunca vai ouvir na vida, super lado b, e ela nunca vai saber que não fui eu que escrevi e vai ficar feliz até morrer. Vai me dar um beijo com os olhinhos cheios de lágrimas e dizer que eu sou o poeta dela. Aí vai dar pra mim e a gente vai dormir. De manhã eu acordo, e recito a musica pra ela. Ela vai bater palminhas que nem criança e sorrir que nem um anjo. Eu vou achar graça e vou leva-la pra comer na padoca. Tem coisa melhor, Mariana? Dormir enroscado e tomar uma coca de manhã da padaria? Coca, padoca, paçoca. Esse negócio de rima eu acho que ela não vai gostar não. Pode ser que eu mande um inglês ou um francês - ai, que língua você merece, Mariana? Vou inventar uma língua nova e vou escrever um poema pra você nela, aí você vai ficar feliz em dobro por que eu vou ter inventado uma língua nova só pra te dizer alguma coisa. Mariana, Mariana, que maldita hora inventaste de me pedir um poema. Tão mais fácil seria colher uma flor. Uma flor que combine contigo, tem um monte. Agora poema, não tem. Mariana, desculpe, mas se esse meu esforço não valer, eu desisto.  
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Enquanto fingia dormir
Escutei seus dedos
Entrelaçando seus cabelos
Seu suspiro de cansaço
E o seu virar
Para o outro lado.
Jogando bosta no ventilador
ou
Apertando o foda-se (and be happy)

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Tarde, bilhar. Noite, Estúdio Sp. Madrugada, Tropicália no Saraievo. Manhã, Beleza Americana no Habib’s. Suco de maracujá, cerveja, caipirinha e adicionais.
Precisei tomar nota do telefone dele. Acho que eu decorei. Não decorei tudo, mas os quatro primeiros eu decorei. Tentei ligar e não deu certo por que não era Claro.

Queria dizer.
Vai cuidar de você.
Vai cuidar dela.
Eu não preciso ser cuidada.

Mas o que mais me irritou, foi ela me dizendo que tinha a solução pros meus problemas. Ela disse você é uma menina tão bonita, gosta de poesia. Você escreve umas coisas.
Pronto.

Tantas vezes por dia eu fico querendo dizer
EU NÃO LIGO PRA CINEMA.
Eu não sei nome de ator nenhum que ganhou o Oscar
por que eu não acho importante saber.
Por favor.
Me deixa em paz.

Então ele disse que gosta de meninas simples.
Basicamente, disse que não gostava de mim. Ela perguntou por que queria que eu escutasse. Sabe lá o que ela achou que ele ia responder. Eu acho que não foi por mal. Ela só acha que eu devia botar a cara e gostar de cinema, de repente. Eu fiquei brava por que eu ando brava com tudo mesmo. Não foi com ela. Eu gosto dela.

Ele não gosta de meninas complicadas. Ele gosta de gente simples, humilde. Bonito. Eu acho.

Tocou aquela música dos Raimundos.
Mas o tempo passou, eu agora sou mais velha e o Rodolfo virou crente, então.

Ah. Olha aí, eu sei o nome do vocalista dos Raimundos. Não tem que saber os nomes dos artistas? Viu? Eu não ligo pra cinema mas eu sei de “rock farofa brasileiro contemporâneo”. Como diria o Pier, super prafrentex.

Mas eu tava falando do tipo de mina que ele gosta. Desculpem a mania de me perder.
Ele disse que gosta de menina
que não fala que vai mijar,
que nem eu falo.
Ele acha que a menina tem que falar
que vai fazer xixi.
Que nem ela fala. Óquêi.
Ah, ela não fala xixi. Ela fala “CICI”. Bonito.

Ela é uma moça muito educada.
Ela tem essa fofura rosada nas bochechas.
Ela é um partidão.

Mas cá entre nós:
Quem fala “mijar” põe o dedo aqui.

 
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Quando a noite tem cara de bebida barata de boteco

 
Sei lá o que ele ficava reclamando que era foda, mas eu não queria saber. Foda, é não tomar o copo até a última gota, e foda é não ficar bêbado. Foda é ser castrado, humilhado, foda é botarem tua lealdade em dúvida. Foda, meu caro, é não foder com a pessoa que você ama, foda é não ter um real pra comprar cigarro do Paraguai. Foda é ninguém te escutar quando você tá falando, foda é ver TV sozinho e falar sozinho na cozinha. Foda é você querer dar um abraço em alguém que tá ali na tua frente e ver que não consegue. Foda é ter que desistir das coisas.
É mesmo muito foda não ser a pessoa certa.
Você não sabe porra nenhuma de nada, cara. Você não sabe porra nenhuma de mim. Eu acho que você devia parar de bancar o Dom Juan barato da casa do caralho.
Pouca coisa me toca nessa vida. Palavras geralmente não estão na lista. Passar bem. Ah, e antes que comece a história derrotada, eu não odeio você. Eu gosto de você. Gosto tanto que estou te mandando a puta que te pariu.

Sem ressentimentos.
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terça-feira, 30 de junho de 2009

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Você passou por mim e eu quis te matar, dar um escândalo, mastigar flores, me bater no nariz, te morder no pescoço. Mas você não reparou. Você nunca repara em nada.
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Coisas que vem com a chuva.

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Lembrei da cidade de madrugada e como parecia tanto São Paulo, aquele frio, as horas arrastando e eu ali batendo meus dentes e cheia de uns poemas na cabeça que se perderam por que eu não podia escrever ali, não na frente daquelas pessoas e daqueles olhos. Por deus. Jurei que era passado. E tudo isso eu reparei quando liguei pra ele, ele que cantava pra mim. Ele cantava pra mim e furava minha alma com aqueles olhos dele, que olhos mais perigosos, assim como eram perigosas as mãos e a língua entre as coxas. Eu disse pra ele, que problema enorme, que problema enorme que a gente foi arranjar. Até hoje eu não sei se ele entendeu que eu gostava dele. Eu gostava dele. Eu gostava daquele cabelo grisalho e macio entre os dedos e da língua dele na minha boca. Ele tinha um cheiro doce. E eu continuei sem ter o que falar pra ele, não sei nem por que eu liguei, eu simplesmente acordei e liguei. E ele demorou pra atender. Quando ele demorava pra atender antes, eu desligava. Hoje eu esperei. Aí ele disse alô com aquela voz dele. Aquela voz dele. E ele disse que estava com saudades e feliz por eu ter ligado, que tinha passado uma semana. Eu pensei nele durante essa semana, mas eu tive problemas. Eu quase morri essa semana. Não contei pra ele. Disse que era culpa do telefone, que eu estou sem. Ele disse pra ligar de novo. Vou ligar. Estou com saudade. Daqueles olhos cinzas que ele tem. E daquele olhar duro.
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Se alguém me ver bebendo perto dele, por favor, tirem o copo da minha mão. E se já for tarde e eu já tiver bebido tudo e estiver lá tentando pegar nele, peguem o copo vazio e quebrem na minha cabeça. Agradeço.
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Bill Joke

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Permito agora que ele me venha fazer companhia, quando sozinha me encontro e ele está num canto ali do verso. Não machuca mais. Não sei se é boa lembrança ou ruim. É apenas uma lembrança que ás vezes vem e parece nítido por que não poderia ter um fim melhor. Os finais são sempre os finais.
E eu sempre deixarei esses homens me estenderem o copo sem entender que é apenas um copo. Eu pensei que ia morrer com um buraco, mesmo que ficasse tentando tacar areia, mas areia é apenas areia. As coisas são apenas o que são. Tudo é muito simples, ele não me amava e achava que sim. Ele achava que sabia o que era amor e não sabia. Eu pensei que ele sabia também. Cheguei a escutar uns eu te amos e mergulhar na comoção. Cheguei a dar vexames, escândalos e a escrever umas coisas. Nada melhor pra literatura do que aquilo que não aconteceu. Tudo era um poderia ser. Tudo era tão abstrato. Imagens na cabeça nada tem a ver com amor. Devo ter fumado mil cigarros pra sua memória. Punha-me a pensar em você e engolia uma bebida qualquer, ao som de qualquer musica.
Tudo era um jogo fácil de se passar por cima. Cantar na chuva e virar as costas e dizer umas coisas e desaparecer. Até quando você me perfuraria com as suas agulhas se eu não dissesse nada? Até quando ia ser de verdade se eu não questionasse?
Eu hoje reapareço. Já não me sinto presa às tuas linhas e já não me sinto culpada por nada. Eu fiz o melhor que pude. O que não valeu nada em vista do que eu ganhei de volta, quando eu nem queria ganhar nada de volta. Só aquela coisa que você achou que sabia sentir. Que eu achei que podia entender.

Você não sabia era do lado negro. Achou que eu não tinha rugas só por que você não as via? Achou que eu não tinha um monte de pesadelos só por que eu não acordava? Achou que eu era viciada em bebida? Que ia morrer de tanto tomar droga? Aqui estou eu, Bill Edwars, velha e bêbada, olhando pra você e você não está me olhando de volta. Aqui estou eu, meus cabelos brancos, olheiras, doenças e rugas. Aqui estou eu, meus manuscritos que não viraram biografia, minhas tintas no chão e meus batons vermelhos. Ali está meu espelho quebrado e ele me olha de volta exatamente como eu olho pra ele, entendendo todos os meus atos e me acompanhando o melhor que pode. Minhas linhas eram apenas tuas, nunca foram divididas com mais ninguém. E era perfeito esse homem que bebia comigo e tocava piano, tocava jazz e blues e rock, o mesmo que hoje que sobrou nas linhas e nem assim, nem mesmo assim Bill Edwards, o senhor soube guardar para mim algo que seria só meu e de mais ninguém.
Eu sou esta mulher acabada e enrolada numa coberta tentando não morder a língua no frio, escutando os chocalhos do próprio rabo e tirando o pó dos livros. Eu sou esse vaso quebrado e colado com cola pritt, essa porcaria remendada que não enfeita mais nada.
Para Bill Edwards tudo continua fácil. Sua Kate entrou num labirinto onde todas as saídas dão em nunca mais.